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PERIGOU: "a moda tem colocado as pessoas em posições que elas nunca imaginariam ter"

Estilista e DJ alagoano é o quinto convidado da série "ARTE RESISTE" e falou com o Mixtape 90 sobre moda, arte emergente e o mercado da moda alagoana e brasileira.

Perigou, estilista e DJ alagoano - Foto: Arquivo Pessoal

“Um artista não pertence a um só lugar, um artista pertence ao mundo, porém sem nunca esquecer de onde veio”, eu tenho essa frase comigo desde o dia que ouvi de um colega em um curso (perdoe, colega, isso foi há muito tempo, não lembro quem é você, mas se estiver me lendo comenta aqui, por favor!). Em meus contatos remotos com Perigou para essa entrevista, eu não parava de pensar nessa frase. Vez ou outra, sempre percebi em cada resposta de Perigou a força cosmopolita de alguém que não importa de onde veio, a vontade de explorar as possibilidades de mundo é o que o impulsiona na missão de levar a arte e o que acredita para todo cantinho desse universo plural, porém sem nunca esquecer de suas origens.

“Eu sou de um lugar bem pequeno, o povoado Poxim em Coruripe (AL), que conta com 5.000 habitantes, não tem acesso a celular, a internet é precária, tanto é que só tive acesso à internet no meu ensino médio”, e não foi por isso que Perigou se entregou à autossabotagem. Como bom artista nato e autodidata que é, desde criança ele já recortava em revistas e jornais fotografias de roupas para fazer colagens e ali já nascia apenas uma das várias facetas do estilista alagoano. A moda sempre esteve ali em Poxim de alguma forma e, anos depois, quis o destino que a estreia de Perigou nas passarelas fosse com uma coleção de peças inspiradas no artesanato regional.

Selecionado na categoria estudante para apresentar suas primeiras peças originais no “Renda-se”, o primeiro grande evento de moda em Alagoas com foco na divulgação e promoção da arte de rendeiras locais, o DJ e estilista já pode dizer com orgulho que tem no currículo a participação na 1ª Mostra de Moda Alagoana em um desfile que foi transmitido ao vivo pelo YouTube com peças inspiradas no filé alagoano, bordado que é uma das marcas do artesanato da terra de Cacá Diegues e Linda Mascarenhas.

Foi assim como as redes de bordado colorido do artesanato têxtil, que mais um filho da terra transforma a sua própria rede com a missão de elevar e levar arte de variados tipos para todos os tipos de pessoas. No clima de pós-coleção, Perigou bateu um papo com a gente sobre arte emergente, democratização da moda e ainda abriu suas mixtapes com faixas do seu universo underground que acha que todo mundo devia conhecer.


MIXTAPE: Perigou, você foi um dos selecionados a participar com uma coleção no “Renda-se”, o primeiro grande evento de moda em Alagoas, em setembro deste ano. Conta um pouco sobre como surgiu a moda e a arte na tua vida.

PERIGOU: Com sou de um lugar em que quase não tinha acesso à internet, eu fui descobrir muita coisa na minha adolescência, porém desde muito novo sempre tive uma relação de consumo muito grande com arte, tudo do que passava na TV, revistas, jornais, eu sempre fiz colagens de moda, de roupa e de arte em geral.

Em 2012, quando eu já estudava em Maceió, no Instituto Federal de Alagoas (IFAL), tive a oportunidade de ser monitor de uma exposição de arte contemporânea na Associação Comercial, foi o meu primeiro contato com arte mais emergente. Foi algo totalmente novo para mim, lá eu aprendi bastante o que era contemporâneo, vanguarda, as artes emergentes, foi um gatilho bem grande como artista e como pessoa que quer estar inserida no mundo da arte.

Aos 18 anos, eu fui morar em Belo Horizonte (MG), onde vivenciei a cena noturna por lá, fui drag queen, tive meu primeiro contato com a arte. Quando voltei à Maceió, fazia muitas produções culturais paralelo à arte drag e desde então tenho descoberto muita coisa. Também comecei a estudar Relações Públicas, mas eu não me encontrei no curso, cheguei a mudar para a Publicidade, mas do mesmo jeito. Foi só quando cursei Moda na Escola Técnica de Artes da UFAL que consegui somar o que eu já tinha de autodidata com o que o curso tinha a me oferecer, foi quando a criança que sonhava com roupas, com o meio da moda e que vasculhava revistas veio à tona novamente. De antemão eu não pensava em criar, não era algo que me vinha à cabeça, pois sou fissurado com imagem de moda, por produzir campanha editorial, mas quando surgiu o "Renda-se” eu pensei “por que não?”. Eu quis contar um pouco da minha história, colocar um pouco da minha bagagem a partir da criação.


A primeira coleção de Perigou foi inspirada no filé alagoano e apresentada no "Renda-se" - Foto: Rafael Santana

MIXTAPE: Quando surgiu a primeira produção de moda?

PERIGOU: A criação pra mim foi algo desafiador neste ano, não era algo que eu pensava em fazer até ser desafiado. Eu já havia produzido materiais no que diz respeito à produção de imagem e moda, mas criação mesmo, as primeiras peças vieram dentro do “Renda-se”, foi o meu primeiro trabalho, o feedback tá sendo incrível e é muito bom quando você começa com uma coisa e as pessoas confiam, acreditam no seu trabalho e veem potencial nisso, pra mim tem sido grandioso me instigando a pesquisar mais, organizar, pensar no futuro, ter uma dimensão a partir de agora.


MIXTAPE: O “Renda-se” aconteceu num período complicado que é o da pandemia, porém foi e está sendo um sucesso. Como foi o processo de criação durante esse período?

PERIGOU: Eu acredito que para mim, mais do que pra todo mundo, foi bem complicado porque eu estava em outro estado, não imaginava que ia voltar para Alagoas, achei que ia ficar em Minas Gerais até o fim da pandemia. Eu fui para a casa dos meus pais como um refúgio mesmo, eu estava sem conseguir trabalhar, sem conseguir me manter. Daí do nada teve esse projeto e eu tive que voltar pra cá, foi bem desafiador, tive que estar em contato com muita gente, tive ajuda de grandes amigos meus em todos os processos de criação, confecção e acessório. Tenho duas amigas, Laura e Rafa, que me ajudaram, foram meus braços neste projeto e as amo de paixão.

Eu acho que esse parâmetro do novo vale não só para esse projeto em si, mas como para todo o universo da moda e o entretenimento no geral. A gente teve que se reformular, utilizar o audiovisual como escape, como a maneira mais consciente de aproximar todo mundo dos projetos, dos desfiles. E ter em Alagoas o primeiro desfile de grande porte sendo colocado no novo é algo para se orgulhar muito.

Perigou e sua primeira coleção no "Renda-se" - Foto: Rafael Santana.

MIXTAPE: Em diferentes perspectivas, você acha que a moda é um fenômeno influente em nossa sociedade?

PERIGOU: Com toda certeza. A moda por muitos anos foi um fator de divisão social, por muitos anos era notável quem era de classe A, B e quem era mais pobre, mas com tantas movimentações e inovações no meio, a moda tem se tornado cada vez mais democrática, a moda tem colocado as pessoas em posições em que elas nunca imaginaram ter. Porém, isso também implica em fatores muito negativos, estamos passando pelo processo do fast fashion, do consumo em massa, das influências das redes sociais nisso tudo e tem sido bem negativo não só nas questões ambientes como também psicológicas, pois acabamos nos colocando em uma necessidade de consumo que não existe algumas vezes. Dentro da academia, falando sobre moda, a gente tem conversado muito nessas novas dinâmicas, dessa desconstrução, desses parâmetros, do consumo mais consciente, do desmonte do fast fashion.


MIXTAPE: Em um projeto chamado “Fashion Marketing” de 2006 a 2008 e que até virou livro, Glória Khalil avaliou em palestras junto a profissionais da área que “a moda brasileira brilha, mas não vende”. Você acha que de lá para cá a moda brasileira está mais valorizada?

PERIGOU: A moda é um dos movimentos que mais muda constantemente, muita coisa mudou. A moda tem sido cada vez mais líquida, as coisas mudam muito rápido e ainda mais nesse momento em que a gente tá mais consciente, prezando por consumir localmente, em produções locais, transparentes, valorizando mais o que é nosso. Eu acho que ainda não é algo grande, mas estamos caminhando para o correto, a gente já tem trilhado nessa busca e estamos mais próximos desse momento.


MIXTAPE: Artistas como Emicida e o estilista baiano Isaac Silva são exemplos de que a moda brasileira e mundial está mais diversificada, representativa. Você acha que ainda temos muito a melhorar nessa questão?

PERIGOU: É como eu falo sempre, a moda em Alagoas caminha 20 anos atrás do que o mundo caminha. Enquanto temos Isaac Silva, Rober Dognani e Felipe Fanaia, marcas emergentes que fazem trabalhos magníficos e super inovadores e que valorizam cada vez mais a moda diversa, a moda plural. Tendo como exemplo algo maior, temos a SAVAGEXFENTY da Rihanna que tem sido um exemplo mundial da moda plural, da moda para todo mundo. Já Isaac Silva é um exemplo gigantesco do que se fala da moda mais afro-centralizada, mais representativa e que tem puxado no pé dessas marcas mais conservadoras que não estão com nada esses dias, a exemplo da Glória Coelho e Reinaldo Lourenço que recentemente foram expostos por atos racistas, coisas que não condizem mais com a atualidade.


MIXTAPE: Sobre a situação da cultura no Brasil de hoje... Você acha que a arte resiste?

PERIGOU: Com toda certeza! Estamos num momento em que mais é necessário resistir para ser visível, pois a cada dia que passa a galera tenta tornar invisíveis os nossos corres e projetos, tirar o espaço de quem faz arte, principalmente essa arte mais emergente, que foge da curva. É muito difícil colocar projetos artísticos para frente no Brasil e ainda mais em Alagoas quando a gente tem uma sociedade tão tradicional e tão voltada para o passado.

MIXTAPE: O que você acha do futuro da moda alagoana a partir do “Renda-se”?

PERIGOU: O Renda-se foi uma oportunidade genuína de trazer a arte tradicional, o bordado alagoano e trazer isso para os artistas que fazem uma arte mais emergente e também artistas mais tradicionais. Essa união de várias visões e maneiras de perceber o mundo, perceber diferentes conceitos, essa soma só engrandece Alagoas no que diz respeito à arte, principalmente para conhecer a galera que é nova, que tá começando, que tem uma visão mais fresca do mundo.



Além da moda, Perigou atua como DJ em um coletivo - Foto: Arquivo Pessoal

MIXTAPE: Quais os próximos passos para a tua carreira?

PERIGOU: Então, né, eu faço muuuuita coisa (haha). O “Renda-se” foi uma oportunidade maravilhosa, mas em paralelo a isso eu tenho resistido com produções culturais, com arte mais underground aqui em Alagoas, eu sou DJ também. Fazer com que a arte emergente aconteça por aqui é essencial, tenho estado nessa busca junto alguns coletivos, faço parte de um coletivo chamado “Coletivo Umbral”, onde temos 11 artistas de diferentes plataformas: audiovisual, artes plásticas, performance. O que temos em comum no coletivo é o fator de ser fora da curva, de não se encaixar nos padrões que a sociedade no geral entende como arte. O objetivo é tornar isso cada vez mais visível, legítimo e que as pessoas cada vez mais consumam uma arte mais vanguardista, uma arte que fuja do tradicional, tenho isso como missão, tornar isso sustentável também para pagar as continhas do dia a dia.

MIXTAPE: Ao final de cada entrevista, a gente pede ao convidado que deixe uma mixtape para nosso público indicando obras que fazem ou fizeram parte da tua vida. Quais são as suas?


PERIGOU: Como também sou DJ, resolvi deixar aqui uma série de tapes que vão ter descrições de cada uma com gênero musical, um pouco sobre mim e sobre a rádio também. A minha estética vem muito do que consumo, é muito do underground, nessa tapes vocês verão um pouco disso, tem muita coisa boa! Espero que gostem :)



PERIGOU é estilista e DJ que acredita no poder transformador da ARTE.


Instagram: @perigouu

Soundcloud: PERIGOU







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