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"Durval Discos": filme para ouvir e sentir

“Irene ri da minha cara, da sua cara, da minha roupa, da sua roupa, do MEU PAÍS”, é com essa frase que Rita Lee faz uma participação frenética e hilária no filme de estreia da roteirista e diretora Anna Muylaert (Que Horas Ela Volta). Em cena, a personagem de Rita se refere à canção “Irene”, presente no LP Caetano Veloso (capa branca e assinatura), de 1969. Rir é apenas uma das ricas experiências que o espectador terá ao ver "Durval Discos".


Assista ao trailer de Durval Discos:


O filme mostra a que veio já na apresentação majestosa dos créditos de abertura em um plano-sequência que apresenta o universo: a cidade de São Paulo, mais precisamente a região de Pinheiros, em todo tom de cinza, poesia, realismo e o colorido comercial das padarias, lanchonetes, placas de rua, doceiras e, claro, as lojas de discos do cotidiano paulistano.


É na São Paulo de 1995, época da transição dos discos de vinil para os CDs, que somos apresentados ao mundo do solteirão Durval (Ary França), que ainda mora com a mãe Carmita (Etty Fraser) e administra a loja de discos de vinil, que dá nome ao filme. É na Durval Discos que o personagem principal envolve toda a sua vida numa bolha em que a aversão a mudanças da era globalizada, moderna e da própria vida rotineira é a governante.


A inventividade na direção e do roteiro, mesclada a uma costura impecável da trilha sonora que vai de pérolas da MPB (LADO A) à trilha eletrizante e densa (LADO B), produzida e criada por André Abujamra, é o que dá gancho para que o filme - assim como os vinis - tenha dois lados de sensações. A virada de lados acontece com a chegada da empregada Célia (Letícia Sabatella) e da garota Kiki (Isabela Guasco).


Ao trabalhar magistralmente nisso, Muylaert joga o espectador para uma sessão de descarrego. Da metade para o final, cada cena afunda a plateia em uma playlist de sentimentos em trinta minutos insanos: loucura, agonia, claustrofobia (muito bem representada pela ambientação cênica da casa), humor e o equilíbrio entre alívio, torcida e desespero (as cenas do cavalo e da bicicleta são de técnica perfeita, arte e beleza ímpares). O espectador sente tudo ali. É o cinema vivo.


Há em "Durval Discos" um quê de mitologia grega (édipo) com muitos toques de humor non-sense, além de psicologia, crítica social e política com referências a Peter Pan, Norman Bates (Psicose) e Annie Wilkes (Louca Obsessão). É o casamento da loucura com a liberdade, do trivial com o absurdo, porém necessário demais.


Tal conjunto estético rendeu ao filme sete kikitos de ouro no Festival de Gramado em 2002, incluindo melhor filme e melhor direção. "Durval Discos" é uma experiência rica, chocante, absurda, musical, cultural, política e social. É aquela experiência que tem que ser vista, sentida, ouvida, discutida e compartilhada.


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